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O Amor em Léo Ferré
O Amor em Léo Ferré

                                                                                  O Amor em Léo Ferré

«Amar é dar. O mal-entendido é haver quem julgue dar e todavia só se limite a receber. Depois admiram-se por a coisa não funcionar...».

                                                                      *

«Se por aí me aparecesse alguém de um outro planeta com cabelo, com olhos e com mãos, mas sem cu, eu poderia explicar-lhe tudo: o vinho; a direita e a esquerda... . Mas não esse eterno segundo sempre a recomeçar e de que nunca nos cansamos: o amor [*] ... . Porque a música e o amor são inenarráveis».

La Parole: Voici L’Ennemi, Léo Ferré (...no seu sardónico sentido de humor).

                                                                                        *

Comentário:

– Léo Ferré, na esteira de um pretenso pudor masculino ocidental (euro-americano), confundia o sexo e o amor.

No século vinte e sobremaneira após a segunda grande guerra, para suavizar a carnalidade do sexo no fito de convencer a fêmea a praticá-lo tal como o homem ocidental queria, este começou a chamar «amor» ao sexo.

Assim, dizia-se: faire l’amour; make love; fazer amor. Um pouco por influência dos meios hippies e da respetiva cultura (terá sido cultura?), mas ainda no seguimento da repulsão generalizada relativamente ao sexo por força da velha censura eclesial contra a satisfação carnal em geral e não apenas contra o excesso que o vício representa. E iguais expressões ridículas foram certamente vertidas em outras Línguas europeias. Que na Língua subnacional umbundo, de Angola, por exemplo e tanto quanto o saibamos, não foi introduzida essa equivocidade pretensiosa. Nem no aimara da Bolívia. Et cetera.

Por que será?

Em tétum, Língua central de Timor, diz-se o calão: hao akarak het. Se é que ali seja calão, pois não há essa distinção bacoca entre o pudico civilizado e o brutal incivilizado.

As coisas são o que são e ponto final! Diria Léo Ferré no seu estilo direto, possivelmente.

O sexo visa a reprodução. Na sua essência. Na origem do seu uso.

Por isso os leões, as zebras ou os periquitos não se demoram no ato! Zás! E já está.

Só os humanos, porque já têm outra ronha, buscam a simulação do ato de Criação através do orgasmo. Pois toda a Criação é espasmódica, como o orgasmo o é. Por isso demoram mais tempo e querem a repetição da ação, dado que o espasmo, tal como a vibração que ele recria, prolonga-se como um eco no tempo, como uma reverberação.

Ou seja: ele compõe-se de um vaivém: um vaivém de realização. Numa Natureza em que tudo apresenta esse movimento padrão e originário – afinal a simular, por sua vez, o fundo vibrátil em que tudo assenta.

O mal do sexo é o vício. O exagero, enfim. A repetição exagerada. Que por isso acaba se tornando uma perversão... dos Sentidos. Já que busca recriar, e recriar indefinidamente, o instante inicial da criação: quer a criação sexual que deu génese material ao indivíduo, quer a Criação geral, que determinou tudo.

Pois o orgasmo faz cada um sentir-se mais ele (...no momento em que o sente): a sensação de si é aí feita de uma quase plenitude demasiado quase.

Quanto ao amor, trata-se de uma categoria. No sentido terminológico, isto é: no sentido filosófico, da definição vocabular. Nada tem a ver com o sexo! E nessa qualidade, ele representa a harmonia.

Ora: a harmonia não é senão a paz instituída – mas não uma paz qualquer, nem muito menos a paralisia total que é concebida quando se diga: «descansa em paz» (eis outra ignorância desmedida: pois se o ex-vivo continuar para além da morte, então de certeza não vai descansar! E se não continuar, deixa simplesmente de existir e aí já não haverá mais lugar nem para a paz, nem para o descanso, nem para coisa alguma mais. Mas as imbecilidades humanas não têm fim, ao que parece; sobretudo aquelas com pretensão beata).

A harmonia é a paz, no sentido de comunhão perfeita, absoluta.

E a comunhão não é mais do que o encaixe ideal, o puzzle certíssimo.

A verdadeira comunhão é isso mesmo: união absoluta. Ou se se preferir: é a divindade. Em que o múltiplo se torna uno, se faz um, perdendo a individualidade que detem, sem todavia lhe desaparecer a individualidade que apresentou – pois tudo permanece no registo dos tempos.

A verdadeira música, a tal «música maior» a que se referia Léo Ferré, constitui-se dessa harmonia absoluta: melodia mágica, inaudível para tímpanos, em que a simples sonoridade é tudo o que seja necessário para a existência.

E então toda a intuição pura, a racionalidade meramente silogística, a estética e a moral, se reúnem aí numa mesma instância intelectual, que tudo conhece e tudo realiza na mesma intenção... de valor absoluto.

Porque a harmonia é... vibração: pura, absoluta, vibração. A vibração essencial. Movimento intencional – e intencionalmente modulado, por forma a determinar realidades existenciais segundo a frequência da vibração decaída.

Quem sabe COMO e O QUE seja a divindade, a que chamam Deus nas culturas neolatinas?

Ei-La. Divina. Absolutamente. Impercetível.

Por isso Nietzsche quis comunicar que só a arte traz (e pode traduzir) o divino, desvelando-o, sem explicá-Lo – porque há realidades que não são explicáveis, nem exibíveis enquanto realidade, dado estarem subtraídas ao princípio de causalidade que explica as coisas do mundo ligando uma a outra como causa ao efeito que produz.

Por isso, também Léo Ferré, entre algumas obscenidades, nos quis deixar a visão, que foi a sua impressão genial, de que a verdadeira realidade se trate de... a Música Maior!

 

Edmundo Vallellano,

19-02-2014.