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Matéria Dura: Último Vestígio da Ilusão Sensorial
Matéria Dura: Último Vestígio da Ilusão Sensorial

[Excerto]

A morte é o fim. Sim. Irremediavelmente. Inexorável.

Essa é a afirmação do senso comum. Ingenuamente crente naquilo que os seus Sentidos lhe confidenciam. Porém, essa é, também, a própria realidade dos factos.

Mas a formulação não está correta. Pois o indivíduo que acabou de morrer não se esboroa instantaneamente. Não desaparece assim sem mais nem menos, por magia.

A (aparente) supressão dos sinais vitais é que efetivamente constitui a «morte» e não «o fim» de quem acabou de morrer. Pois o corpo, animado de um invisível frenesim interno, após a aparente frenagem imobilizadora que o fenómeno-morte produziu, posteriormente passará por tudo, menos por uma paralisação final e derradeira.

Chama-se, a tal frenético processo invisível, «decomposição». Biológica.

Portanto a morte, como supressão do movimento e como fim, não ocorre. É um equívoco a sinonímia, ou melhor: a crença, que se pretende entre «morte» e «fim».

Contudo, a morte, enquanto dramático fenómeno do lento processo de erradicação da vida, radicalmente assinala, sim, o início do anunciado fim. Futuro...

Mas ela não é arauto senão do fim da vida.

O que se perde, na morte, o que advém, com a morte, não é a existência e sim a vida. E este acaba constituindo um segundo equívoco que se pratica sobre tão essencial fenómeno.

O corpo biológico, o biocorpo, podê-lo-íamos assim denominar, decompor-se-á ao longo de meia dezena de anos. Por fim restará, desse corpo, o esqueleto – último vestígio da ilusão sensorial. Tão persuasivo se mostrando, que poderão transcorrer incontáveis eras até se perder de vista o seu traço.

Mas nada, na Natureza, detém o caráter da permanência. Pois ela é constante fluxo e mutação inerente, uma vez que é feita de multiplicidade e da interação dessa mesma pluralidade desigual. Poder-se-ia por isso afirmar que a verdadeira essência da Natureza seria a mutação, ela própria.

Nem mesmo o mais puro diamante por fim resistirá à passagem da Natureza. Ainda que ficasse ali solitariamente inerte, no meio da imensidão de um espaço vazio. Pois, nessa circunstância, nada mais existiria, além dele, para continuar a afirmar a sua existência. E esta então volver-se-ia a mais radical ilusão. Já que o diamante ficaria sem termo de comparação para se perceber, a si próprio, existente. Perderia, enfim, o... espelho, que os outros, ou as demais coisas, representam para ele e de que ele necessita para precisamente se perceber enquanto coisa existente.

A realidade do corpo é a vida. Ele existe sob a forma vital, que é física, natural, tangível, quantificável. Sensorial, numa só palavra.

Outra realidade existe, porém, a qual, não sendo vital, porque, além de não deter órgãos, nem sequer é visível, muito menos se podendo cheirar e menos ainda pesar ou medir, por isso se constituindo inquantificável, todavia possui uma forma de realidade que a inclui no (vasto e mal compreendido) domínio da existência.

A essa «outra realidade» chamam-lhe «consciência».

Dizem os mecanicistas que a consciência é um epifenómeno do biocorpo e dependente dele. A ele lhe devendo, pois, a sua existência.

Mas se assim fosse, então, tal como o corpo a ela associado, teria de apresentar um qualquer fator de tangibilidade que a tornasse factual.

Mas a complexidade da consciência, enquanto realidade factual, é bastante mais acentuada do que comummente se supõe.

A consciência de facto existe a dois níveis distintos de realidade, ambos invisíveis, mas não iguais nem sequer identificáveis. Ou melhor: a três níveis, uma vez que inclusivamente se exerce a nível físico, com este interatuando. Embora a sua essência não seja física no sentido mais corrente, mais corriqueiro, da palavra «física».

Banalmente, a consciência é conhecimento. Ela traduz conhecimento. E por isso se diz «dialética», já que resulta de um diálogo (di + léxico ou lego), de um curso, entre duas partes: o «sujeito», que conhece; o «objeto», que é conhecido.

A consciência é um (ou o) elemento cognitivo no domínio da existência. É uma entidade cognitiva. A que Descartes chamou «cogito» e Kant, mais academicamente, de maneira mais científica, precisou, classificatoriamente, como «unidade transcendental da consciência de si». Ou autoconsciência transcendental, poder-se-ia assim abreviar.

Quando eu afirmo a minha própria existência, coloco-me a um certo nível existencial. Diferente do nível bruto, informe, ignorante, inconsciente, se é que houvesse um tal nível assim.

A esse nível o eu adquire mero conhecimento de si. Que é o conhecimento mínimo, ou primeiro, que uma existência pode ter de si mesma.

Mas quando afirma a existência do mundo, que representa um todo que vai muito além de si, transita para um outro nível, ou plano, de existência, mais complexo, mas também menos essencial, menos simples, menos puro.

Ambos aparentemente correspondem ao mesmo tipo de realidade (ou existência). Pois ambos são inquantificáveis e impercetíveis.

Porém e por isso mesmo, ou seja: por serem impercetíveis e inquantificáveis, não nos conferem meios de prova em como se tratem da mesma e única realidade, supostamente imaterial.

A consciência enquanto «discurso acerca do mundo» é completamente distinta da consciência enquanto «conhecimento puro e simples da existência própria e nada mais do que isso».

Na primeira, o puzzle dos conceitos agrupados em juízos e o complô dos juízos dentro dos raciocínios e a ordem dos raciocínios segundo os parâmetros cronológicos e lógicos em geral são de tal magnitude, que fazem a simples autoconsciência transitar para um outro nível de existência.

Uma coisa é então falar-se de consciência enquanto conhecimento, outra realidade é falar acerca da consciência enquanto condição para a ocorrência desse mesmo conhecimento.

Porque, para a consciência tomar lugar, ela terá de possuir a capacidade para unir dois conceitos num só juízo e assim produzir a primeira afirmação, que é a afirmação existencial proferida pelo próprio eu em surdina, de si para si.

Eu existo é o primeiro juízo. É a primeira forma de conhecimento... objetivo. Em que o sujeito (o eu), num processo de duplicação, de autoexibição, enfim, se torna objeto de si mesmo, em si próprio se espelhando.

Esse é, aliás, o verdadeiro objeto: o eco do sujeito. Que de si sai e a si volta no próprio instante e não passa nunca e nele próprio se eterniza, reverberando indefinidamente, dentro de si mesmo, sem precisar se repetir.

Depois é que provém a exterioridade. E como alteridade que é, ela faz transitar a consciência, ou seja: faz transitar o discurso do eu, para um outro nível, que se posiciona em um segundo plano de existência cognitiva.

Contudo, além desses níveis, ou subníveis, existe um outro, identicamente impercetível, que possibilita que todo o conhecimento, seja o simples conhecimento acerca da existência própria, seja o complexo conhecimento acerca de uma existência comum, múltipla, venha a tomar lugar.

Estando «além», trata-se, pois, de um nível estrutural. Que sustenha e dê razão de ser ao conhecimento.

Ora: para que tudo conheça a existência, tem de lhe subjazer uma força que precisamente faça com que isso exista.

Se um indivíduo não tiver a força suficiente, em breve abandonará o domínio da existência vital. Um bebé, por mais vontade que tiver, se não possuir a força suficiente para subsistir no que a si compete fazer por essa subsistência, não sobreviverá. Ou um empresário: se não detiver a força suficiente para concatenar todos os passos de um processo empresarial constitutivo, não erguerá o seu projeto. Tal como uma ideia, que se trata de uma realidade mais simples, ou um projeto qualquer, que constitui realidade mais complexa, se ambos não tiverem, por trás, uma força que os idealize suficientemente, certamente não vingarão.

Então, para que a consciência se exerça e dela se diga representar precisamente uma consciência, deve deter a força, necessária e suficiente, para que se constitua uma consciência. E assim consiga ligar dois conceitos, para com eles produzir um juízo, que pode ser o juízo elementar: eu existo. Em que dois conceitos, o de eu e o de existência, se conjugam, equivalendo a dizer: eu (1) pertenço (2) ao domínio da existência (3), dessa maneira contendo os elementos-base de um juízo, que são o sujeito (1), o predicado verbal (2) e o predicado nominal (3), sendo este o classificador do sujeito.

O que é, portanto, uma «condição»?

Ela é a realidade que permite que outra dela emane e tome lugar. Conhecendo o domínio da existência. Ou que simplesmente surja, sem se precisar nem se questionar a sua origem e a relação em que esteja inserida.

E a força surge, assim, como a condição não só para se lutar pela própria sobrevivência, como também para que primeiramente algo ou alguém se assoma à janela da existência. A força, em geral considerada. Tal como é ela que possibilita, à minha consciência simples, ir ligando conceitos uns aos outros e acabando produzindo os mais elementares ou complexos discursos, belos ou incríveis, únicos ou inenarráveis.

Dizia-me a Maria Ofélia, nos derradeiros tempos da sua vida, em jeito de pergunta: «será isso Deus? Uma força?!?»

Bem: a questão sobre Deus não é para aqui trazida. Consideramo-la, ademais, uma falsa questão. Que somente uma mentalidade cultural mais primitiva põe em equação e dela faz depender a sua própria existência.

Sobre isso, o que haja de importante a considerar é o simples facto de, a cada consciência particular, que é relativa, parcelar, lhe subjazer um absoluto de consciência, no qual tudo toma lugar sem qualquer prurido moral nem considerando cultural de outra ordem qualquer.

Para sermos bons, teremos de praticar o Bem e ponto final. Deixemos Deus fora da problemática e da prática. Sejamos autónomos. Verdadeiros. Melhores. Para finalmente compreendermos que Deus também somos nós!

Sim, Maria Ofélia, o divino é uma força. Ou precisando: é a força das forças. A Superforça. Que tanto en(tre)laça as subpartículas na dimensão subatómica do nível existencial físico, quanto faz com que um conceito se ligue a outro numa consciência privada e assim produza um conhecimento qualquer.

A consciência, enquanto discurso acerca do mundo, de facto está casada com ele e parece provir desse mundo como sua causa. E por isso o cientismo mecanicista fá-la depender do metabolismo neuronal e da fisiologia corporal.

Porém a consciência provém de um outro plano enquanto mera força capaz de produzir um conhecimento através da reunião de signos em conceitos e de conceitos em um juízo.

(...)